sexta-feira, 18 de fevereiro de 2011

Cinco reais



Democracia, minha cara - não mais cara que seus líderes,
estou a pensar em ti e em nossa condescendência.

Sentimos por nosso dinheiro, nossa decência,
nossa esperança e inocência
a ver que ti, tão bem gerada e iluminada,
 plana em vôos cegos e asa indomada.

O coro, violentado se barulhento,
escuta atento
o som ungüento
do deputado batendo à mesa ‘isento’.

Vão no vento as palavras,
apológicas dessa democracia,
e analógicas da demagogia...

Vê-se a política do vinagre;
dos vinhos seletos, promissosos,
tornam-se azedumes rançosos,
cabeça-de-bagre, passado remoto,
quando ganhados e vencedores no voto.

E o deputado, que vence com tantos,
contanto que vença, e vencimentos prontos,
leva vencimentos vis e voz de prantos
em salário de derrota a amplos cantos.

segunda-feira, 7 de fevereiro de 2011

O louco


O louco viajou para um lugar desconhecido.
Louco, muito louco, entrou clandestino em um navio.
Chegou onde chegou e ainda não conhecia onde chegou.
Usou uma língua que sabia de antemão,
mas lá não se falava tal língua.
Desesperou.
Tentou outra, sábio louco que era,
mas não se falava tal outra língua por lá, por mais sábia que se a falasse.
Não havia bandeirola no navio,
não sabia onde era, loucura!
Conheceu um marinheiro,
louco que servia às vozes superiores,
fazia, trabalhava, não saberia dizer ao louco, entretanto, para onde iam.

Foi o louco descoberto e escorraçado do navio,
mas fora expulso numa língua que não era mais normal que o próprio.

Acho que não era um louco por adjetivo,
se não por fato consumado.
Porém, por loucura, tentou se calar e escutar os outros falarem.
Ainda que não descobrisse qual língua comunicavam,
descobriria onde estava.

O louco clandestino assentou-se.
À espera de alguém, caridoso que fosse esse alguém,
esperou um prato de comida, ou uma comida
sem prato que fosse, mas tinha fome.

Não havia gente que falasse a língua da caridade.
Aquele país era um inferno para um louco analfabeto.
Por mais sábio que fosse o louco, poliglota e corajoso,
estava tão triste quanto o navio atracado, longe dos mares.
Estava como o navio, longe de seu lar aquele louco.
Por mais que o lar fosse de ondas e procelas.

Até que parou debaixo de uma estátua em meio à praça que o acolhia.
Praça rústica, que se parecia estilo russo.
Sentiu um frio de repente o louco – frio físico.
Ah, como se podia não perceber!
Estava na Rússia, sob os pés de Lênin.

Não falava russo!
Não sabia como sobreviveria,
Sendo tão frio e sem palavras.
Mais parecia um bêbado a um louco.
Não haveria quem o socorresse, nem embaixada,
Por piedade, poderia ele saber onde ficava.

Não restava mais pensares, que aqueles que o trouxeram a vagar.
Não falara nada à família, que enlouquecia às más criações da mente.

O louco resolveu não voltar – sou louco, não tenho satisfações a dar!
Vagou o louco por vinte e um dias vivendo de lixo.
Furtando vodka, aqueceu-se e a família esqueceu.

Encontrou um livro em um lixo: “Os miseráveis” edição bilíngüe.
Estudou russo, aprendeu pouco, mas se comunicou.
Então contou sua história em russo ao público em praça.
Acharam-no louco.

Cuidou um olhar sincero ao público, tardes após tardes.
Ora falando inglês, ora calado, em expressão crua.
Entoava um russo terrível, mas tinha poesia.

Então se empregou na Rússia,
pelo gesto de sorrir a uma senhora que chorava.
A senil mulher estava disposta aos prantos numa escada de igreja.
Bem vestida, cabisbaixa, assustou-se ao ver uma mão se estendendo.
Uma mão que sorria, mas que não era familiar.

A loucura por ver tal pranto causou um sorriso lacrimoso no poeta.
Louco, estando de mãos sujas estendidas àquela senhora,
sincero, puro como não se havia mais no mundo,
Ganhou um outro sorriso lacrimoso daquela senhora, que chorava ainda.
Um sorriso, quinze minutos e um emprego ofereceu a senhora.

Chorava nossa gentil senil por perder um filho varão, viril russo.
Chorava aos pés do santuário Ortodoxo.
Era duma carga de setenta anos ao frio e vodka,
mas jovem num olhar apático diante da perda.
Uroslav tinha vinte e cinco, adotado, ganhou os céus por pancreatite.

A senhora ganhava um filho então louco,
Que enlouquecia na proibição de vodka pela mãe.
Passou a se chamar Nepcohaslav – uma espécie de “louco” em russo.
No dia das mães, na Rússia, fez um poema à mãe.
Relatou a força do amor e a esperança.
A mãe sabia de sua fuga louca, mas não recriminava.

Vinte anos viveu o louco na Rússia,
vinte porque sua mãe faleceu às cargas de invernosos noventa.
Foi a senhora colocar Uroslav para dormir mais uma vez.
Foi nosso errante fugir de dores mais uma vez.

Louco, pegou um navio, gostava dos que não tinham bandeirola.
Conheceu um marinheiro...
não se sabia a língua dos marujos, como gostava já o louco.
Então, chegou a um lugar onde um negro falava português.
Foi escorraçado aos quarenta anos, mais uma vez...
não esperava tamanha tristeza: desembarcou em Fernando de Noronha.
Foi jogado no Brasil, apesar de estar em um navio grego.


O louco parou na costa, como escorraçado, sobre uma pedra quente,
e pensou que morreria de calor e fome.
Não queria falar português, não podia – era terrível a dor de estar longe de casa.
Era a Rússia sua casa, mesmo que não registrado oficialmente.
Era russo, mas sua dor russa o fazia condescendente em estar longe.
Assim como sua dor primeira, que o fazia longe da casa natal.

Resolveu então buscar outro navio,
mas o mundo não mais oferecia lugar aos clandestinos!
Ficou impaciente, a loucura agora lhe subia pelas ventas espertas.
Então começou a esbravejar em português aos brasileiros:
- Saibam que desse povo tenho nojo! Aqui fiz vinte anos tristes.
Nunca pensei que tivesse maior dor no mundo, mas vi que aqui estou!
Nunca pensei que fosse maldito a ponto de escorregar pela curva do planeta
e cair na desgraça deste país, onde as pessoas são apáticas e loucas.

Então viu o louco que fazia juízo de loucura a outros!
Esteve absorto, pensando que não haveria salvação para sua insanidade.
Parou seus berros sobre turistas atônitos diante do navio.
Então se meteu a falar que estava curado, inspirado por um torque de felicidade.
Alienado pelo momento, rememorou que tinha dinheiro,
dólares muitos em sua bagagem escassa de objetos.

Então se curou...
naquele momento lembrou que o mundo era capitalista,
sua mãe russa era rica dona de supermercado,
Viúva de milionário militar soviético.
Lembrou que tinha tantos dólares quantos necessários para vagar.
Tantos títulos quanto necessários para ir ao caótico.
Então, definitivamente, curou-se.

Claro que se curou, não te zangues, pessoa que lê.
Nosso mundo é capitalista, esquece-te?
E assim é louco aquele que esquece que tem que ganhar,
aquele que vaga buscando amenizar a dor.
É louco aquele que esquece de ser máquina.

E nosso ex-louco, herói, por ser forte capitalista,
viveu no seu país de origem com toda a pompa.
Sua família ele mandou buscar para viverem num condomínio
e sua vida levou até morrer ao peso dos oitenta.

Nada mais a falar sobre um louco, agora ex-louco e ex-vivo.
nem lhe escreveram um livro,
Nem lhe renderam homenagens.
Apenas lhe creditaram a luta de um forte homem, lúcido,
que buscou a vida na Rússia e deu a sua família um lar de orgulho.