sábado, 30 de maio de 2020

Verso e fogo


Não se derretem correntes sem fogo,
nem se derrubam as bastilhas com filósofos mudos.
Não se plantam flores com mãos assépticas
nem mesmo se fazem gols com retóricas éticas.

Versos simples são pobres, eu sei,
mas antes necessários diante do óbvio imposto.
E diante das cobras de boca aberta ao alto,
só a força dos atos as impõe desgosto.

Respondendo aos joelhos opressores sobre o pescoço negro,
enfastiadas as mãos suprimidas e o coração asfixiado,
não existe senão o cupim comendo o navio negreiro atracado
ou senão o estouro da boiada de fascismo alucinado.

O fascismo contra os livres poetas:
Franco matou Lorca, Salazar deprimiu Pessoa, outros passearam na Galícia.
Hitler suicidou Sweig, que chamou-nos “Brasil: país do futuro” ao se matar.
Ilusória esperança é o futuro num pais de milícia.

Facismo como resposta confusa e perigosa,
esquizofrênica e persecutória.
Tolos os que se amarram feito fascio haverão de limpar remelas
pois plantaram a semente totalitária e inglória do seu lar, suas celas.

Empunham epilépticas armas contra as razões
e pílulas aleatórias de chumbo contra as ciências imateriais.
Erguem templos vendilhões contra a ira de Jesus
E a mentira contra os fatos revelados na cruz.

Há quem pense o fogo ser elemento da natureza,
como a terra, o ar, a água; não o é, não se engane.
O fogo é obra humana contra a tirania fria
que nos impõe a tortura e nos bebe o sangue.

Os ditadores não sentam a beber no prelúdio das canções.
Nem mesmo sentaram-se com seus uniformes
posando com suas filhas e consortes, de botina e brasão,
às alvorada de suas ricas nações.

Os ditadores e as ditaduras surgem de filósofos confusos,
de mitos estapafúrdios contra a fome e contra o medo.
As razões em excesso são passo firme sobre o lago finamente congelado,
zombando da física, da gravidade, da curvatura da Terra e da guerra.

Ensejam os líderes totalitários confusão: símbolos fascistas reiterados,
um inimigo comum – imaginário, e Deus como dogma vencedor;
para perguntas complexas: resposta pronta e fantástica;
paixão e nacionalismo como convite para a cruz suástica.

Feitas as milícias cariocas, a SS, os Camisas Negras de Milão
e Azuis em Lisboa, a Falange espanhola, e o Gabinete do Ódio no poder,
todas as causas são supostamente nobres diante de inimigos fictícios:
sejam os judeus ou a corrupção a se vender.

Aprendamos que na vida, feito nos dias e noites de tortura e morte,
Só se rompe as correntes com força e fogo na candeia,
com partidos inteiros e legiões da verdade verdadeira.

Resta-nos, sem isso, a opressão dos sentidos
e viver sem sentido algum,
ou escorrer o sangue esvaído das veias.

terça-feira, 10 de setembro de 2019

Mito da caserna

Homenagem aos capitães do mato
do nosso amado Brazil


Nascido o mito carioca em São Paulo
brotado então de puro ventre
filho de Perséfones e Têmis
primeiro após Temer
último após os robôs lisérgicos
fruto da urna envenenada em sangue.

Erigido líder dos paraíbas e do resto
feito lágrima enganada em solo duro e amargo
brotada ao responder às mais obscuras e recônditas vontades em si guardadas
ao inventar seu panteão imaginário
à verdade que apenas a si acredita e ilude.

Mito da caverna
o Grande Mito Nacional cedo pendurava a botina
eleito na caserna ao status de Gogó-Geral da República
com mandato em Brasília, vitalício e hereditário
arauto da ética sob o curral, a alfafa e o chumbo.

Irretocável sua ferradura que fora sorte e semente
de genocidas frente ao medo
das armas frente à impotência
e da tortura diante da inépcia tão típica dos incapazes.

Cavalgou voraz sua batalha e seu sonho
plantando no Estado sua árvore cítrica e hereditária 
acima, abaixo e ao meio
plantada em cortina de fumaça
logorreia e careta. 


Nada novo além do céu e da amaurose
Zeus para dar vida e controlar a divindade
deus mercado para animar o circo
deus superego para torturar o sofrimento alheio, e tão somente o alheio
deus’emprego para afirmar a escravidão anestesiada.

À carioca encena-se tosca tragédia
antagonismo entre a maravilha natural e genética 
e a ferradura sobre o mármore espelhado
para dar-nos sorte
e iludir com lápide consorte.

Revelou-se enfim o sonho de menino
gerado de tão nobre teogonia
a elevadíssima comenda asneira honoris causa
galharda aos egrégios da nação.

Eis as medalhas
ao mouro judeu, dê-nos aJudas
ao pau nos reles
ao general sob o trem-sem-freio
à sinistra da goiabeira
ao professor de escuridão
é ao carbonífero líder faroeste, algoz pioneiro de touro-sentado.

Democrata-defensor-da-ditadura
honesto e audaz larápio-geral 
comedor-de-gente cristão
o Comendador honraria seus agraciados com nióbio secreto
tão valioso a invejar o mais rubio diamante.

Sem ato que chegue ao fim
o faminto da caserna sofre
- Não nasci para isso, não tenho noção
triste nação.

Eis-nos em fado francês
cantado com ovos na goela abaixo
em pele & pelo loiro à Tiffany e base brega

novaioquines, como não poderia deixar de ser.

sábado, 2 de março de 2019

Romance para tua canção de partida




I – os males dos sonhos

- Dê a outra face, alerta o Messias acolá,
defronte o sonhador que possui tantas faces
quantas misérias no mundo há.

Eis que se acabam as peles em lema,
então se entregam o dorso, o tórax,
os genitais, os membros, os pudores e a calma,
até que os desejos interiores mínguem
exaurindo por completo a própria alma.

Os ímpetos por um século a mais e melhor
fazem dos humanos seres de luta,
muitas vezes restando em direitos
outras tanto levando ao luto.


II – o poema antigo e tão moderno

Mãe, outrora eu tivera elogios aos meus desenhos
da maior fomentadora da minha criatividade.
Espirro de liberdade.

As coisas afastaram nossas evoluções de vida.
E o centímetro que nos separava
isolou meu crescimento e sua presença.

A primeira barbinha chata, motivo de vergonha;
A primeira namorada – creio que até hoje nenhuma delas conhecestes;
A evolução no colégio,
Os insucessos – fracassos ainda não os tive, quero que saibas;
Minhas virtudes e meus defeitos.

Mãe, atribuo-lhe minha poesia toda.
Se meu pai é minha herança de razão,
Só de ti pode ter vindo minha sensibilidade chorona.

Se tua ausência me foi estímulo de maturidade,
Tua ausência também significou minha insegurança.
Se tua ausência me foi motivo de responsabilidade,
Tua ausência também foi as paredes de minha insociabilidade.

Mãe, creio que escreverei até minha morte.
E um verso eu farei tão lindo à beira dos céus,
Que morrerei antes de angústia por não dá-lo a ti.
Mas minha poesia é antes tua que de qualquer amor que eu tenha tido.
Só Deus possui mais que ti a arte de abrir-me o coração
E de ajuntar as palavras a exprimir.

Herança de milhares de letras tu terás,
E de milhares de sentimentos que não soubestes de mim,
Com outros milhares de sentimentos dos outros que descrevi,
Terás à desterrada cognição humana.

Mãe, tua ausência me fez saudades.
Tua espera me fez impaciente,
Mas aprendi a ser forte assim.
Mãe, sou fraco por ti, mas te amarei com força,
Daquelas dos teus abraços a cada jornada finda.


III – a tua partida

Ponta de areia
Ponto final.
Porto final.
Da Bahia a Minas
Estrada natural.
Caminho de ferro, mandaram arrancar.

Viajaste pela ultima vez
de Minas à Bahia
depois do último natal.
Retornaste, ponto, afinal.

Não lhe posso esquecer, Meu Canto,
por seres, tu,
parte pioneira de mim mesmo,
de meu ar saindo em pranto,
de minha bomba rasgando interna ao peito,
de um sonho por um chão mais belo e encanto,
de uma plateia mais feliz em poesia e som,
de uma mata mais verde e rica em manto,
de um amor mais feliz e acalanto.

És mim mesmo,
gritando socorro na noite derradeira
sem encontrar guarida;
atadas as mãos e os pés.

Foste a natureza inteira degradada,
restando sem garganta ou respiração
ou pulso ao fim exangue,
como Avicennia tombada.

Restam-nos os fatos em preto e branco,
sem esperança, nem sorriso a tudo e a todos;
nem voz fina e afinada de cantante;
nem sonho, nem natureza a montante.

Nem luta por tudo que seja mundo melhor,
nem eu consigo ser se não és mais.
Sabe-se lá por ainda quantos tempos e ais
serão as lembranças de teu cais.

Teu regresso a Minas,
derradeira viagem terrestre,
envolta de flores e lágrimas,
entoou o canto de luto silvestre.


IV – deste ato interminável

Não estás aqui, perto de mim,
mesmo tão presente cantando.
Sendo, contudo, meus sonhos
surreais em beijo de querubim.

Pouco juntos os corpos estiveste, enfim,
bem verdade fosse. Ainda que
nem verdade seja – vou pensando.
Com a língua de saudade e a agonia,
a fotos antigas vão se revelando.


V – das heranças

Tua voz gravada, como tua música,
tua preocupação por nós três distantes e Amados,
está na minha memória para sempre, e teu amor,
tua inspiração para sermos criativos,
felizes,  anti-cativo-livres e brincantes sem dor.

Criaste-me algo poeta,
de futuro desviado à esquerda,
nascendo à natureza de primavera,
com nome de entidade das águas,
criticando o anverso do jornal,
tendo o libretto da ópera abaixo da axila,
um verbo auxiliar, o brado silencioso de Morpheus,
o pranto de Prometeu,
o fluxo dos mares e ventos globais,
sem rima.

Como Noel, tu - filha de Joel,
Não te vejo e nem te escuto.
O meu samba está de luto.
Eu peço o silêncio de um minuto,
à homenagem e à história
de um amor cheio de glória;
por teu silêncio absoluto,
por meu samba de luto.

Ainda, que
Proibiram que eu te amasse.
Proibiram que eu te visse.
Proibam muito mais: preguem avisos,
fechem portas, ponham guisos,
nosso amor perguntará: e dai e dai?

Como Violeta em Elis, tua preferida, agradeço
a ti, que a tudo respondia com GRATIDÃO!!!
Gracias a la vida, que me ha dado tanto.
Me ha dado la risa y me ha dado el llanto.
Así yo distingo dicha de quebranto,
Los dos materiales que forman mi canto.
Y el canto de ustedes que es el mismo canto
Y el canto de todos que es mi propio canto.

Como Vander Lee,
como agora choro e chorinho, incontida e soFridamente,
meu amor, deixa eu chorar até cansar,
me leve pra qualquer lugar
aonde Deus possa me ouvir.

E como Milton, de quem
tenho nos olhos quimeras
com brilho de trinta velas.
Tenho os intestinos roucos.
Os meus músculos são poucos
pra essa rede de intrigas.

Meu sangue de mangue sujo
sobe a custo, a contragosto.
E tudo aquilo que fujo.
Tirou prêmio, aval e posto
Entre hinos e chicanas
Entre dentes, entre dedos
No meio destas bananas
Os meus ódios e meus medos.
E dai? E dai?


VI – a tua obra, criadora

você cresceu demais
tendo passado por dona de casa
com muitas responsabilidades
aprendeu a amar
e viveu tanta amargura por isso

teve de deixar
o pagão amor...
Pianista nega
filha do pastor

ela levantou de seu piano na igreja
que soou... ah

é que minha amiga engravida de seu noivo
excluídos quando ela se rebelou ôôô

ela se excluiu ao seu piano quando a igreja barulhou

que ironia
aquele cara pagão um dia
vira pastor rock and roal

era mi hermanita tão bonita
organita toca teclado
y tambien toca cravo

sabe o quanto é complicado...
tocar é pra quem pode
o resto se sacode
sacudimos búzios e os nossos que se explodam
e esses nossos se explodam

você cresceu demais
a sua infância agora é hoje
e lhe digo como uma adolescente
não leve a vida tanto na filosofia...

sabendo que  quem toca é pra quem pode
e o resto só se sacode
Sabendo que quem toca é pra quem pode
e o resto só se sacode


VII – a tua herança material

As últimas palavras que ouvi de ti,
não, não foram de socorro.
Foram um sonho aguerrido e cansado
que há tempos ousava gritar.
Foi no dia de tua partida.

- É um monte de coisas que eu faço,
minha casa acabou de ser invadida, de novo.
A única coisa que eu tenho feito é plantar,
eu amo.
Eu vim aqui para reflorestar,
de árvore, de tudo.

Todo mundo quer, todo mundo vai querer.
Eu não tô aqui para impor nada a ninguém. Entendeu?
Eles nunca quiseram montar associação, nem nada.
Mas a gente vai precisar sim se a gente quiser fazer alguma coisa.
Graças a Deus estamos vivos e ainda podemos fazer.

E assim viva permanecerá,
astuta memória,
de dignas mulheres da história
a ensinar que amanhecerá.


VIII – da tua foto revelada

Rô Conceição, mãe,
não poderia o final ser feliz, meu amor.
Não aqui, afinal, não neste tempo,
filho da iniquidade e do terror.

Aliás,
esta ópera é interminada,
Turandot não descobrirá Calaf,
Nessun dorma eternamente!
Não neste teatro quase esférico
deste plano sem alfa e nem ômega, histérico.

Apenas as cores da natureza,
o ecoar da canção,
a estética incólume e sem ética,
os versos que restam,
poderiam sugerir as linhas de tua foto.

Não de teu corpo violado em chão indigno,
de tua memória violentada,
contrapodo tua armadura de sorrisos frente à bala seca.
Não de teu mangue dragado e ressecado,
de tua morada invadida e silenciada.

Mas sim de tua glória e reação digna
frente ao ódio e à repressão,
deste mundo iludido em papel verde tingido,
físico ou não, fato ou fingido.

De tua simplicidade frente ao ouro,
teu corpo magro  e boca fechada ao couro
despeite o banquete famélico,
e grito no mando de silêncio homérico.

Apenas as flores eretas,
confronte à correnteza,
e o som da revolução poderiam.
A beleza virá-mundo em ubíquo pão,
os versos que restam aos poetas,
poderiam sugerir-te a face em filme e canção.
Neste tempo e neste mundo não.

quarta-feira, 17 de abril de 2013

Virtual



Diz-se do virtual aquele que não tem organicidade,
que não respira, que cibernético – o não material da vida.
Mas, ora, quanto tempo da realidade,
atribulada, produtiva, corrida,
vai e vem em forma de bites?

Quanta discussão existe?, informação que cai
e que toca real como a chuva na cabeça...
Sem lhe ver a cor, o dinheiro chega e se vai;
as declarações de amor e ódio doem a beça,

A cor da boca da amada aqui,
a velocidade dos mísseis  acolá...
Deriva do real o virtual, já ouvi,
mas o tempo, visto ao contrário, contraditará .

Ainda não percebemos
que o mundo de verdade, como nas óperas,
acontece, por enquanto, sem querermos,
 nas ilusórias fibras ópticas.

No futuro sim, ai sim,
após biquínis e top less,
cambiados por chips outrossim,
deixaremos o cabos e seremos wireless.

O aperto de mão será like,
e na memória haverá  kite.
Há de ter valor o insitgth
e terreno será site.

sexta-feira, 12 de abril de 2013

Só importa o que as coisas são de fato



Não importam as regras para pensar no título deste poema,
ou no da vida.
Se a la Fernando Pessoa
ou se síntese, la Drummond ou lá longe disso.
Que importa se ele revelar o final secreto?

O que eu quero é falar demais,
de mais do que isso, que deste verso que fica em cima.
Quero falar das turbulências,
pois decolar me assusta
e pousar seja o que Deus quiser.

Jogar as cartas sem saber do valete, do rei,
de perder-me no tempo que eu criar,
ouvir os sons que o mundo cria,
e que se crie a vida, sem meu título limitante.

Só importa o que as coisas são de fato.
Só importa, de fato, o que as coisas são.
Só importa do que as coisas são: de fato.
Só importa de que fato as coisas são.

domingo, 2 de dezembro de 2012

Tolerância




Eu tolero, tu toleras e ele, ele não tolera.
Não por demasiado ignorante,
mas por não se encontrar entre nós -
tolerantemente donos da verdade – a nossa.

Ou que se encontre entre nós e seja O tolerante,
e suas palavras agora emerjam até o mundo das palavras sábias,
politicamente corretas e tolerantes

Ora,
por hora não posso emitir opinião,
eis que se encontram excessivamente tolerantes
todas Vossas Mercês, companheiros donos da minha verdade - oculta.
Eis que não se encontra em nosso reino,
o das palavras dilatáveis e adaptáveis,
o significado de coerência social – eclipsada pela alva tolerância.

Já nos deleitamos com as subjetividades
e nos deitamos por sobre as galhas maleáveis – que não estalam ao peso da verdade,
os seres deste clube tolerante
deixando de verdadeiramente expressar nossas vidas e porquês.

Tolero seus salários inglórios,
de fome de caviar e vinho franco do sul.
Tolero sua tolerância a meus erros
e teus erros me tolerando.

Proclamo os deuses mais profanos,
exaltando tua casca brilhosa
e escondendo teu destino purgatório.

Conclamo meus seguidores,
colendos,
para chamarem-te líder.

Tu e eu,
fizéramos todas as ilíadas,
mas nos falta ganhar por sobre as cabeças intolerantes,
sendo donos da nossa tolerância,
de nossa verdade,
de nossa oculta razão.

Abram alas para o bloco do “tamos juntos”
que vai passar a coerência que inventamos.




terça-feira, 4 de setembro de 2012

Sobre o patrimônio oculto


Aos que gostam de Ouro Preto,
sobretudo aos estudantes que partilham deste sentimento
e desta luta.

Os corações dos seres humanos,
gerados todos para igual função,
morrem com combustíveis trocados:
alguns azuis, outros brancos - sem ferro.

Ainda no campo das cores,
o branco ocupa casarões,
ao passo que o negro ávido ainda rodeia senzalas.
Raros Chicos Rei’s.

Quem tem deve doar,
que seja seu fôlego,
seu verso ou sua luta,
pois doar o que sobra é apenas das esmolas.

Não que sejamos bons samaritanos,
mas o mundo é de cada um;
a boa vida de todos
é nossa boa vida.

Só existe assalto se houver quem assalta;
só há quem assalte
se há por quê;
só há por quê
se não fizermos nossa parte:
doar nossa voz, nosso tempo,
nosso fôlego e nossa luta.
Esmolas não bastam.

Os sobrenomes falam alto,
enquanto o Silva fala tímido,
na sua linguagem cotidiana e clara.

Mais do que a arquitetura e a memória,
são históricas as lutas dos oprimidos,
sem escolas, sem saúde e com solo frágil sob os pés,
ou acima do próprio corpo – morto ou quase lá.

Todos queremos o melhor,
mas não podemos o melhor apenas para nossos espelhos,
pois que todos existimos em corpos,
enquanto apenas alguns vivemos.

segunda-feira, 13 de agosto de 2012

MAR PORTUGUÊS

Um dos meus poemas favoritos, de autoria do Genial Fernando Pessoa.
Sempre que algum sonho se torna desafio, leio e me motivo bastante.
Gostaria de compartilhar um pouco de mais esta Doce Esperança.





Ó mar salgado, quanto do teu sal
São lágrimas de Portugal!
Por te cruzarmos, quantas mães choraram,
Quantos filhos em vão rezaram!

Quantas noivas ficaram por casar
Para que fosses nosso, ó mar!
Valeu a pena? Tudo vale a pena
Se a alma não é pequena.

Quem quere passar além do Bojador
Tem que passar além da dor.
Deus ao mar o perigo e o abismo deu,
Mas nele é que espelhou o céu.

domingo, 12 de agosto de 2012

Escafandro



A passos lentos e precisos, 
segue o explorador pelos confins.
Seu escafandro sob toneladas
dá-lhe abrigo e prisão.

Fé nas profundezas,
pois que nela se apruma a razão das coisas.
Tudo que se pode explicar,
é claro nas profundezas pormenores.

Ao postar-se deitado nos fatos,
contudo,
suas articulações enferrujam,
pois que sua armadura
é arma, mas é dura.

Em seu amor pelas descobertas,
trama poesias no escuro:
cor, ação e luz apagados.

Eis que aparece sua linda criatura,
descoberta por ele – não criador.

Aturando seus limites
e torturando seus joelhos,
trama seus passos sem nada mirar além.

Escafandro maldito!
Fez permiti-lo as mais abissais águas,
mas lhe ceifando a cinética necessária.

Não mais a criatura ali está,
pelo resto da vida.

12-08-2012

quinta-feira, 9 de agosto de 2012

Estátuas



Conhece o caminho quem por ele já passou
ou por ele se atreve.
Os demais, que já ouviram falar,
pensam que o sabem.
Não se revoluciona o desconhecido.

Incautos críticos,
cítricos autos de nada.

À espera do porvir,
estáticos e com pombos lhes contribuindo para maior estatura,
acidificam a falta do que fazer,
corrompendo-se por dentro e por fora.

Ao passo da espera,
cruzam laudas e laudas de leis,
sabendo como fazer obscuro e público,
os palhaços da pós-moderna arte
de construir obras para si próprios.

E nossos pares – autointitulados cidadãos,
padecem.

segunda-feira, 30 de julho de 2012

"Vamos viver as coisas novas,
que também são boas..."

Belchior

quinta-feira, 26 de julho de 2012

Poeta do futuro


E triste morreu o poeta.
Sozinho morreu o poeta.                                                                                                                            
Na noite morreu o poeta.
Triste poeta!
                              
Que muitos sequer julgavam poeta – POETA?!
Mas que ele sentia a poesia fluir de fora do mundo;
E que de dentro do coração tirava a canção;
E que em meio movimento fazia seu coração inteiro;
E que se achava no escuro;
E que tentava escapar da escuridão.

Que tentou amar e ser bom rapaz;
Que figurou valente nos jornais,
Por ser livre atleta da paz.
Escondia sua fome voraz.

Não tenho pena do poeta:
Para isso ele foi feito;
Foi feito para fazer algo que ele sequer sabia o que era.
Tinha ele o medo de saber.
Procurou fazer o melhor achando que seria, ainda, o pior:
-Dos males o menor!

O poeta sonhou com uma noite em que saísse à rua,
Sozinho;
Saiu muitas noites à rua, sozinho,
Mas não viu o que queria nas ruas.
Não viu ruas vazias como queria,
Mas viu companhias mortas de fome,
Morrendo no frio do verão e pensando no inverno.

Tenho pena do poeta;
Viu que a noite era a casa dos desabrigados.
Pensou que eles mereciam a vida da noite para pagar vida do dia,
Vida em que ele julgava haver pecado e punição;
Poeta adolescente, não tinha noção.

Mas o amor com compaixão,
Na luta contra o excesso de poder,
Contra o excesso de dinheiro e suas milícias,
Fê-lo lutar contra a pobreza;
Contra a pobreza e suas sevícias.

O poeta ouviu falar em comunismo;
Sentiu mais forte bater seu coração,
Apesar de acreditar em Deus,
Apesar de ser a favor da espontaneidade da vida.
Esqueceu o comunismo,
Passou a enxergar o mundo inteligente,
Com amor ao Pai;
Com controle sobre os tubarões da terra;
Com controle da fome com amor pela igualdade;
Com igualdade pelo amor.

O poeta quis matar, entretanto,
Virar caçador de tubarões.
Mas viu que tubarões,
Controlados por seus predadores,
São pequenas partes da cadeia da vida.

Passou o poeta a ser homem
Sem cor ou partido.
Acima de ser adolescente
E acima de ser criança.
E acima de lutar apenas por um bolso mais cheio;
E acima de lutar por ser melhor;
E acima de querer ser grande,
Maior que sua própria felicidade.

Pena que o poeta não chegará à vitória
E a ser o mais falado na televisão;
A ser o maior representante de seu país na organização.
Será esquecido e morrerá na solidão.

E triste morreu o poeta.
Poeta.
Poeta,
E poeta

Onde estiver o poeta,
Algum coração sorrirá de igualdade.
Será o poeta feliz - alma,
E os vivos em feliz fraternidade.


(2004)