sexta-feira, 21 de janeiro de 2011

Tanta nuvem invisível




Tanta nuvem vem e vai
que esquecemos até das formas delas,
que ficávamos decifrando quando crianças.
Tanta nuvem linda ou disforme,
e os adultos nem percebem – só vêem a desgraça da chuva que virá, se virá.

E os guris vão deitando no chão
e olhando pro céu,
enquanto os adultos só olham pra frente
e esquecem as três dimensões
- todas as dimensões se convergem para o trabalho.

Tanta nuvem, que vira tanta água...
e tanto ciclo de chuva, que se forma e cai,
que nem nos damos por conta
da conta de prejuízos que é viver no mundo moderno.

Tanto valor somado e subtraído,
que qualquer busca pessoal é parte das despesas
 na moeda do tempo perdido - sempre perdido!

E os sonhos são matérias – claro!, tudo virou matéria!
As mulheres de plástico têm valores cotados na bolsa,
após tanto investimento em infra-estrutura;
Aos homens metrossexuais já falta muita trena
pra medir tanta métrica – enquanto os intelectuais discutem se é “metricidade”.

E tudo se resolve com amor!
Claro que se resolve!
Não vemos que as pessoas amam dinheiro?
Não se resolve tudo com dinheiro?!
Ignorante de quem não entende disso
e de cálculos...

Tanta nuvem vem e vai,
pequena coisa humana,
que mal vê o papai.
Tanta vida morta:
vida urbana;
vida desumana...

Tanta nuvem natural nos céus da cidade de pedra,
de pedra também é colchão dos corações humanos

Terceiro poema de 5 de julho de 2006




Já não mais restam motivos pra não fazer este poema,
Porque descubro lentamente,
Como as sinfonias que saem árduas e lentas,
Que sei um motivo maior para poetar.

Ela se torna na cruz e na espada uma guerra;
Ela se torna na noite um grito infindável,
Que não sei se de dor ou de glória.
Ela vai se tornando o que ela marcou em mim
Naquele tempo em que minha paixão era de lágrimas.

Já não restam mais desculpas,
Motivos para outros temas na poesia de hoje.
Porque ela reina aqui na superfície
E nos labirintos faz um caos,
Cuja solução sei lá onde termina.
Ela pinta um plantel de sonhos de açúcar,
Produz um filme sem dor física.

Então, só resta o terceiro poema do dia 5 de julho.
E na dura paisagem que compõe a poluição do inverno,
Há um sol só meu,
Que nasce das ventas de Gaia.

Metades de (des)amor




Porque a metade de mim é amor,
a outra também.
Mas o amor me fez cadáver:
ando sem rumo algum.

Porque metade de mim é amor
e as duas metades se esqueceram
do bem que o amor é capaz.

Como acreditar no amor
e nas minhas metades sempre divididas?
Como acreditar, se eu sei como é o amor,
e como é pior a dor do amor?

Cético,
porque metade de mim é amor,
e a alguém me diz:
 - Cara, não tires os pés do chão!,
 - porque metade de ti é amor
 - e a outra é viúva do amor!

Parei na praça



Depois do tédio da minha casa,
Mesmo ele reduzido por Drummond,
Decidi que minha noite era na praça.

Caminhando por Santa Tereza,
Sinto, em suma, alegria.

Estas ruas de interior,
Com excelsos de mundo moderno,
Com sentimentos da vida.
Todos!
Um deles quando se passa em frente ao bar,
Que exala um cheiro de cerveja
E a plenitude do êxtase.

Outro, ao cruzar outra esquina,
Com a cena de um casal:
Amor!!!
Amor?
Talvez um calor excessivo - ou a precedência de um calor maior.
Quem sabe?

Seguindo entre silêncios, muitos,
Passando por sons,
Alguns oriundos de conversas
De gente de todo tipo.

Palavrões ao celular,
Uma cantada lançada:
- Eu te amo!
Ou
-Vai pro inferno!
Até um
- Adeus!
Como é triste o fim!

Andando acerco a praça.
A “capital do bairro”.
Capital sem grandes avenidas – apenas com o movimento delas.
Sons de carros-sons,
Festas de dez metros.
Barulhos que fazem vibrar minha barriga,
Não de emoção, ainda não,
Não ainda no coração.
Mas tão somente na barriga,
Apenas no corpo móvel da força dos sons.

Quando paro na praça...
A linda Duque de Caxias!
Que emana uma música,
Um chorinho que faz,
Agora sim,
Vibrar o coração.

A canção sai do alto de um coreto reformado,
Desta praça reformada,
Que trás sentimentos imutáveis, eternos.

Palmas ao fim do chorinho.
Sorriso de muitos jovens
Que fazem do escuro da praça
Uma treva sem fim e aplaudem o fim
Daquela “sessão terceira idade”,
Do martírio que os atormenta.

É quando vejo um conhecido.
Finjo que não vi,
Continuo escrevendo...
Tenho medo de perder o pouco da praça,
A linha da descrição.
É pouca a inspiração,
Como pouca é a luz sob as árvores.

O conhecido?
Ele finge que não me vê também...
Mas insiste em fingir que eu não fingi que não o vi.
E vem tautológico...
Pronto!

...

Volto à praça depois.
Mesmo não tendo saído dela.
Volto, observando as cores
Nesta primavera em que estamos
Em flores.
E flores de concreto.

No contraste do mundo,
Revelado na praça,
Vejo moleques.
Alguns que exibem suntuosos pares de tênis roubados.
Como é o tempo!
A tempos, roubavam-se aqui beijos ímpares;
Beijos quentes em noites frias.
Ah, o tempo trabalhador do mal!

Mas eu amo Santa Tereza.
Aqui me sinto grande,
Mesmo sendo pouco pra ela – amor platônico!
Sou amante insistente;
Amante perseverante.

Muito obrigado, diz o mundo,
Grato pela filha Tereza,
Que pode não ter sido santa
Assim como é o dono mor da praça.

Gracias, diz o músico,
Até a próxima.

A noite degrada.
A vida dorme...
Exceto aqueles casais que se amam – ou se amam, apenas!

Vai-se baixando a poeira de poluição,
Levantando a história de mais um povo
Habitante dessa praça, meu lar,
 Com seu mundo de forma simplória
E a praça cheia de glória!

2004

Versos achados de um poeta perdido e suas flores


 
Guardo cortadas as minhas flores.
Chorei, e não mais vou chorar:
as lágrimas nunca curaram as dores
assim como amar
nunca resolveu os amores.